Friday, April 3, 2009

Meninice

Há algum tempo venho escrevendo sobre o agora, de um jeito cortês, frágil, elegante, porém sou cheia de espinhos, de saliências e contradições. Gosto da arte de escrever, dos bilhetes, dos manuscritos, das cartas, dos meus segredos. Aprecio a caligrafia intima, magistral.Os versos, o lirismo dos poemas, os romances escassos, são todos os refúgios de uma rapariga que oscila entre o ser menina e mulher.
Sou aquela que não se pode ler tão pouco interpretar, ás vezes um verdadeiro mistério dotado de cautelas indecifráveis, cheia de encantos e desencantos. Aprecio minhas risadas tímidas, as gracinhas espontâneas, meus comentários mirabolantes. Rabiscos intrigantes e interessantes surgem na minha vida de uma maneira inocente.
Neta do chocolate amargo, do gosto ardido da tequila, dos merengues de morango, das películas melancólicas, da música cubana, da arte contemporânea.
As semelhanças com bonecas, bailarinas, princesas, porcelanas são todas fictícias, irreais, sou feita de carne, osso e sentimentos. Estes são capazes de corroer, de subjugar, de reprimir, mas são cheios de ligeirezas.
É difícil adentrar ao mundo dos homens, aceitar a chatice mundana, o egoísmo dos humanos me causa náuseas. As minhas incoerências, os erros são absurdos, o meu casulo é improvável. As manias da meninice estão intactas, o hábito de roer unhas oscila, ando nas pontas dos pés durante um ato de maluquice, e quando dialogo com garotos que acredito serem realmente interessantes seguro minhas mãos para trás, de um modo delicado, sei que é ridículo e cômico, mas elas tremem bruscamente.
E assim vivo na intimidade de um eu poético, bebo do meu próprio lirismo, flerto com rapazes que subjugo interessante, porém é difícil saber se o gaiato é belo, formoso, agradável, o quão airoso é.
A infância se desmantela aos poucos, as folhas da memória oxidam-se vagarosamente, como nos livros antigos de páginas amarelas do meu avô, ficam apenas as palavras negras, fortes. Lembranças marcantes que oscilam entre sentimentos belos e ruins. Conhecer a morte é demasiadamente doloroso, o vazio, a molesta, a nostalgia que fica é indescritível.
José se foi aos 93 anos e era belo, intelectual, elegante, o bisavô me contava histórias fabulosas, para min um verdadeiro herói de cinema preto em branco, daqueles que eu nunca vou esquecer. Sua foto esta estampada na minha memória, e no piano de madeira antiga da sala.
E assim me desembaralho, os poucos vão entendendo a realidade cruel, as contradições de um mundo indecifrável. A menina ainda está dentro de min de um modo singelo, odiando a morte, mas ás vezes teme é a vida, viver é mais complexo do que aparenta.


Ana Luísa Nardin

3 comments:

  1. Essa fase é complicadinha mesmo. Mas acho que tu tá te saindo bem. Confesso que fiquei surpreso quando vi que tinhas apenas 19.
    Esses anos da minha vida foram de reviravoltas. Até os 17, era mais um guri cabeludo de colégio particular. Aos 18, me tornei um careca soldado do exército e, a partir dos 19, passei a ser estudante de jornalismo e, na faculdade, a gente muda completamente e nem percebe...

    beijo, moça

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  2. Meu predileto
    ...de minha predileta

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