Olga era ruiva, seus cabelos espigados em cachos, sua pele com um tom sereno, seus olhos eram ímpares, únicos. Uma personagem peculiar, intrínseca, real, mas em longos momentos têm feixes irreais. Vivia de livros, romances, se perdia nas palavras, na arte de versificação. Sofrida, filha de afegãos. Descriminada pelo regime Talibã, sua mãe assim como todas as mulheres afegãs usava um vestido preto, esquivo, que cobria o corpo desde a cabeça até os pés, com apenas uma única abertura na zona dos olhos, este vestuário escárnio se chama burca.
A menina dos cabelos espigados tinha traços, linha, feitio afegão, era vítima de um regime que queimava livros, artigos, história. Porém seu pai ensinou a ler, sua mãe deu livros clandestinos, a pirataria de escritos é camuflada, interessante, engraçada. São poucos os que sobrevivem de obras literárias em época tão conturbada.
A pequena dos olhos ímpares era diferente das outras, exceção. A maioria das mulheres era obrigada a se casar, escolas femininas eram proibidas, as garotas se casam em geral aos 12 anos. O casamento, a união, o vínculo entre um homem e uma mulher envolve um ritual financeiro, geralmente a noiva conhece o noivo no dia do casamento, o afeto anterior, feminino, masculino é muitas vezes inexistente, irreal. Olga não se casou, pelo contrário se apaixonou secretamente por um jornalista, trama proibida, dissimulada. Durou pouco o romance, diria que foi um flerte escasso. Neste mundo pode-se amar apenas secretamente, mentalmente, subjetivamente, discretamente. Não deixe os Deuses, nem a sociedade Talibã saber que apóia jornalistas europeus, brasileiros, estes são considerados marginais da literatura.
A personagem dos cabelos ruivos sobreviveu ao mundo islâmico, viu a queda do temível regime Talibã. Em tempos difíceis os livros foram refúgios, lia secretamente, de tudo: comunismo, anarquismo, poemas, romances, versinhos, sabia até algumas letras de músicas contemporâneas. Seu pai era um grande pirata de livros, outrora, foi preso, torturado, subjugado, condenado.
Entretanto, as mulheres estavam demasiadamente marcadas pelo terror, receio, susto, muitas ainda têm medo de tirar a escarna burca. Poucas, raras têm traços tão belos, doces, leves como da pequena Olga, a maioria perdeu a esperança, a descrença está descrita em seus olhos, o medo estala em suas vidas, mal sabem das virtudes dos livros. E assim torna-se difícil sobreviver, compreender um mundo tão contraditório, intrínseco, desumano. A escrita é apenas uma denúncia dos segredos mundanos.
Ana Luísa Nardin
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