Friday, December 24, 2010

Rapariga Mineira

A madrugada era fria, o papel, o tinteiro estavam na mesa de madeira, o céu estava de um azul bem escuro, os pés estavam descalços, os cigarros guardados dentro de uma caixinha, os traços, os lábios rosados, trincados, o jeito de olhar, e o modo como descrevia seus sentimentos eram os mesmo, mas, alguma coisa estava mudada, desafinada, diferente, a rapariga não era mais a mesma.
Escrever ainda é compor, sentia falta de rabiscar nas folhas de seu caderno. O corpo se transformou o calor do outro a deixou transluza e confusa. O silêncio da noite se misturava com o som da vitrola ligada, os livros espalhados na mesa, os quadros pregados na parede, com a fumaça do cigarro interagindo ao relento da madrugada. Havia solidão, existia paixão, mas, a saudade, as lembranças e recordações pulsavam loucamente no interior da rapariga.
Aos poucos ia deixando as sapatilhas de boneca, as meias coloridas, a casa de madeira da avó, alguns amigos. Suas frases tinham mudado, sua cidade se transformado, seu corpo era de bailarina, mas o modo como bailava já não era mais o mesmo, seus amores antes eram platônicos, hoje amava alguns rapazes de um modo demasiadamente real, ao ponto de poder sentir, tocar o outro de uma maneira doce, conseguindo ser sutil e singela, outrora, isto era irreal, talvez estivesse presente apenas no inconsciente da donzela.
A saudade da vida mineira, da comida do pai, da casa da avó, das risadas com o irmão, do dia-a-dia com a mãe e ao mesmo tempo a virtude, ousadia de morar sozinha, de sair de casa, de fazer ciências socias, de ser contemporânea e picareta. A paixão pelo cinema preto e branco, algumas lembranças do primeiro garoto que a levou ao cinema, algumas frases, toque de lábios que ficam guardadas na parede da memória.
A menina possuía todos os traços de uma rapariga qualquer, não sentia saudades do tempo da meninice, naquele tempo a escrita era refugio, a vontade de escrever pulsava, tudo era suficientemente temperado com mel, achava que sabia se proteger, era tão ingênua, passava despercebida, vivia no ermo da timidez, tinha medo de se machucar, talvez até de se envolver, se escondia nos versos, era tão graciosa, mas ao mesmo tempo triste, fria e cálida.
Talvez agora tivesse se transformado em uma menina-moça, mas alguns trechos tinham se mantido estavam intactos em seu eu-poetico, os seus versos continuavam dotados de palavras, sua risada estava mais leve, o modo como segura o tinteiro, até sua letra tinha se desfigurado, tudo estava diferente, seus desenhos estavam mais intrigantes, seus cabelos mais curtos, seu mundo mais interessante, seus sonhos mais quentes, talvez este fosse o fascínio da maioridade, carregava duas décadas de pura meninice na maleta, alguns botecos da juventude, o primeiro porre, o primeiro cigarrilho, alguns namoricos, algumas decepções e várias paixões instantâneas, o engraçado é que livros continuavam sendo seus melhores companheiros, as películas também continuam lhe agradando de uma maneira tão singular e poética.
Ela não sabia descrever o que tinha realmente mudado, mas não tinha duvidas de que tinha se transformado que sua essência se desfigurou, adentrava ao mundo real, tinha deixado a bolha da infância, tocava de um modo sutil o mundo adulto e não temia mais nada, viver a consumia muito.

Ana Luísa Nardin

Friday, January 29, 2010

Hélio

Os escritos eram envelhecidos, ás paginas eram antigas, o caderno era preto tinha traços, linhas, rabiscos de um menino, garoto, rapaz. A caligrafia, maneira de escrever, o modo como segurava o tinteiro, pincel, retratava seu feitio poético, com delineamento da bossa nova.
Hélio não era comum, era garoto, nunca soube ao certo como se escrevia uma carta de amor, sentir, tocar, escrever é demasiadamente difícil, para ele as moças tinham algo de poético, fantasioso, gostava do lirismo, do mistério, da quietude das donzelas. Vivia no mundo paralelo dos artistas, seus desenhos, sua arte plástica tinha um feitio quase que indescritível, com rabiscos contemporâneos, seus olhos eram de uma claridade incontida, seu charme estava nos livros, nos discos, nos versos, na poesia que compunha, ele era real, mas tinha medo da paixão, da perturbação, do amor ardente, violento. Não sabia como tocar, sentir, magoar, compor as raparigas, elas eram demasiadamente interressantes, porém tão intrigantes, de um lirismo exacerbado, donas de um mistério cálido.
Gostava de Zilda, de Helena, e de Cecília esta última era dona de uns olhos negros, seus lábios eram rubro, vermelhos, rosados, seus cabelos com tom ruivo, de uma doçura, brandura, meiguice, cantava bossa nova, seu ídolo era Tom Jobim, mas cantava Cartola de um modo tão doce. Cecília não era comum, tão pouco vulgar, ás vezes sua beleza passava despercebida pelos rapazes, porém Hélio sentia se atraído por aquela rapariga, filha de pais alcoólatras, de uma família torta, mas existia uma cumplicidade quase que real entre seus entes queridos, viviam de samba, era filha de intelectuais, porém alguns deles caem na desgraça ou virtude da boêmia.
O que intrigava Hélio era o fato de não conseguir tocar, aproximar se de Cecília era demasiadamente difícil, observa – lá de longe era tão bom,graciosa, ela era cheia de contradições, incoerências. Era distante, próxima, fria, bonita, feia, tímida, porém seu corpo era silencioso e gritante. Fácil era pintar, esculpir seu rosto em telas brandas, cálidas, sua beleza era única, ímpar, e o amor de Hélio por Cecília era platônico, tímido, romântico.
Espinhoso não era escrever uma carta de amor, e sim tocar os lábios rubros, vermelhos, sentir o calor de dois corpos, o arder da juventude pulsava tanto em Hélio, quanto em Cecília, ambos foram cúmplices de romance forjado, pouco duradouro, porém cálido, intenso. Ele não havia enamorado apenas Cecília, existia Zilda e Helena. E ela era contemporânea filha de intelectuais, interessante ao seu modo diria Tom Jobim.
A juventude é serena, cruel, nos resta beber doces ardidas de uísque, taças de vinho tinto, bailar com sapatinhos de bailarinas, flertarem, compor, escrever, esculpir. E não deixar que eu-poético morra dentro de nós.

Ana Luísa Nardin