Monday, December 7, 2009

Antônia

No telhado vermelho, corado, rubro estava Antônia, com seu caderno de escritos, seus tinteiros negros,sentada com as pernas cruzadas, a brisa do vento tocava seu rosto de um modo sutil, suas meias coloridas combinavam com sua sapatilha de boneca, seu cabelo estava mais curto que o padrão, o céu estava borrado. Ela sempre apreciou seu subterrâneo, mas gostava de escrever nas alturas em dias nublados e de ler em seu subsolo nos dias chuvosos. A solidão pulsa no ponto mais alto e mais baixo da casa.
Antônia não é bonita, tão pouco feia, apenas ela, diferente do padrão, não é vulgar, ás vezes se faz de tímida. Confesso que é bastante critica coloca defeitos nas coisas, observadora do mundo, porém poucos sabem da quão espectadora é. Para ela o mundo ainda é uma incógnita, os livros configuravam e contribuíam para o seu casulo, vive no mundo paralelo dos romances de páginas amarelas. Mas chega o dia em que as sapatilhas de bonecas já não servem mais, em que a rapariga resolve sair da caverna, da furna, para ela é difícil não se envolver, tem uma intimidade própria, um eu reservado, intenso, não entende a lógica do sistema, mas sabe das crueldades mundanas.
Envolve-se com garotos contraditórios, talvez porque ela também seja incoerente, confusa, perplexa. Apaixonada por arte fotografada, alguns não entendem seus quadrinhos, suas fotos, tão pouco seus gestos, a verdade é que poucos a observam tal como é, raros sabem da sua loucura por cinema preto e branco, da sua coleção de discos antigos, e principalmente da sua paixão platônica por Chico Buarque.
Em busca de uma um eu poético, de uma paridade absoluta, de um real, teme a banalidade dos sentimentos cálidos, a ausência de afeto, a seriedade exacerbada, para ela a juventude é demasiadamente bela e feia, a contradição configura o ar jovial, singelo, doce de Antônia.
Está segue os conselhos da avó, admira a vaidade das mocinhas do cinema preto e branco, gosta da tranqüilidade, feiúra, liberdade das meninas das artes plásticas. Antônia resolveu seguir a vida subir nos telhados, dizer adeus a nostalgia daquilo que não existiu. Personagem contrária aos outros, gosto do som baixo, melódico de sua voz, aprecio o real de Antônia esta carrega a meninice das raparigas líricas, senti a doçura e a dor existencial de um eu perdido, perturbado com o mundo.

Ana Luísa Nardin

Tuesday, August 4, 2009

José

No interior de São Paulo a rapariga de olhos castanhos se refugiava, lá era si mesma, não existia máscara, molde, tampouco disfarce. Suas lágrimas são ardidas, seus flertes irreais, seus amores platônicos, suas saudades surreais. Têm traços líricos, em alguns momentos é poética, ás vezes se faz de amarga, mas é doce como um doce de leite.
Seu refúgio está nas paredes brancas, no tapete verde, nos móveis de madeira antiga, nas mobilhas de cristal, na cadeira de balanço, na sala cinematográfica, nos quadrinhos, nos vinis, no caderno em que se escrevem todas as particularidades sucedidas em cada singradura.
A nostalgia da rapariga que um dia deixou de ser menina ingênua, inofensiva, pura, é nítida, esta estampada na caligrafia intima. É difícil descrever sobre as virtudes da meninice, de como é apreciar as cores dos quadros de Frida Kahlo, das molduras de madeira com seus inúmeros detalhes, o som leve e bom dos discos antigos.
É impossível datilografar a singularidade das historias dos loucos, santos, pintores, músicos, anarquistas e comunistas que eram contadas no interior de Sampa por José, bisavô herói. Este fazia almoços informais, na casa de José podia ouvir vitrola o dia inteiro, até nas horas impróprias, ele dizia que as músicas inglesas eram o máximo, que os americanos sabiam fazer jazz, porém preferia a bossa nova, o samba engajado, tudo muito brasileiro. Dizia que o samba conta a vida e o cotidiano de quem mora na cidade, ressaltando a população mais pobre, que suas raízes foram fincadas no Brasil desde a época colonial, indiscutivelmente o gênero que confere a identidade brasileira.
Com o bisavô a garota/rapariga/menina aprendeu gostar de samba, de rock, blues, jazz, conheceu o mundo musical, a ser poética sensível e deparou-se com o lirismo sentimental, exacerbado.
E no fim da vida de José não teve samba,a rapariga não estava a fim de comer doce de leite. Existia apenas o falecimento, o silêncio. Ele sempre disse que quanto à nostalgia/saudade se tornar grande, maior deve ser o volume da vitrola, do rádio, do vinil, e menor tem que ser a melancolia, angustia.
Há tempos a menina, de olhos cor castanho quase negros, não escrevia, não borrava mais os escritos com sua aquarela, mas escuta música todos os dias desde o falecimento de José, seu verdadeiro herói.

Ana Luísa Nardin

Saturday, June 6, 2009

Profana

Fotografia muda, sem fala, imagem preta com traços, riscos brancos, olhar distante, dançarina contemporânea, beletrista disfarçada. Vive no ermo, anacoreta, abandonada de todos, foge de convivência. Silenciosa, medita em palavras, escreve com o corpo.
Ciciosa, seu timbre é baixo, sua força está na solidão, poetisa, lê romances, Dostoievski, a caligrafia dos livros lhe atrai, as letras nas páginas amareladas são deleitosas, existir não é lógico, e o que atrapalha a vida é escrever.
Seus rabiscos íntimos já foram lidos, vasculhados, inúmeras vezes, outrora, o flerte, namorico, parceiro, era platônico, hoje ele é real, e ela é absolutamente só. Suas linhas são bruscas, o sentimentalismo é exacerbado, não existe piegas, apenas sensibilidade, vitrola, gramofone e grafonola. Sabe-se traduzir por meio da arte, da arquitetura urbanística, seus pesares existenciais. Tem alma, corpo, feição sensível.
O cinema é intrigante/interessante quando as imagens cinematográficas têm feitio preto e branco com efeito engajado. O medo de amar está estancado na película, casca, couro, na pele. Para fazer uma revolução é preciso mais do que uma frase de efeito, é preciso arrojo, atrevimento, ousadia. É difícil carregar estes atributos quando se é tímida, acanhada, calada. Porém a vida é uma roda viva. É como flutuar no ar como pássaros, é necessário tropeçar no céu como bêbados.
A prostituição é profana, própria do mundo contemporâneo, a cambolação retrata o engajamento dos carregadores no interior da África. A bagatela, a miséria, são imagens, reflexos.
A música de Buarque soa em segredo na vitrolinha ganhada pela bisavó, os tinteiros retratam o lirismo do vinil, dos discos. Apaixonei-me subitamente por fatos sem literatura, e o que escrevo é mais do que invenção seguida de um silêncio intimo.

Ana Luísa Nardin

Saturday, May 23, 2009

Letreiro

A escrita é como uma aptidão natural. Tenho afeição pelas palavras estas borram o céu límpido, azul, as nuvens brancas, cheia de pássaros. A casa de madeira em cima de uma árvore é dotada de letras, de caligrafias intimas de desenhos. O sol ás vezes mancha minhas páginas, o limbo das folhas. As dores borram o lirismo dos escritores.
Observo detalhes, olhares, gestos, movimentos expressivos de idéias, a beleza é nítida, as dores são camufladas, disfarçadas. Escondo segredos na escrita intrínseca, às vezes deparo com um mundo transcendental, sublime. O romance foi um engano.
Guardo tantos sentimentos, alguns são amargos, obscuros, outros são leves, doces e raros são desagradáveis, azedos como a fruta tamarindo. Têm momentos que penso que a escrita é um traço meu, intimo, ás vezes acho que esta é fruto da minha solidão, do vazio, do frívolo. O letreiro configura a tradução de meros sentimentos, de detalhes sem importância.
Fico desvairada com a imagem do espelho, com o reflexo literal de minhas letras, com as pérolas negras. Há tempos estou perdida na inspiração mundana, na composição poética pouco extensa, na qualidade dos versos, na música, no som representativo de uma letra, no próprio sentimentalismo.
Doce, guerreira, tropicalista de primeira hora. Diria que me renovo no samba, no chôro, que sou um ser mundano dotado de sentimentos que oscilam entre o real e o sublime.
Meu lirismo observa subúrbios, personagens reais surgem de um modo peculiar, do céu azul adentro a um mundo obscuro, frio, caio numa vala incompreensão, solidão profunda. Nossos universos não comungam não se tocam. Intercambiam informações, sensações, sentimentos e momentos, porém sem haver contato de uma essência.
Descrevo o aspecto dos olhos, a lástima, a fome, a penúria, a miséria ardente. E a casa de madeira se contradiz, com o morro, com os casebres miseráveis, com a favela. E meu olhar observa perplexo, o traço, as linhas, a feição mundana.
Reflexos surgem em minhas pérolas negras, adentro ao mundo adulto, deixo de lado as sapatilhas de bonecas, as trancinhas da infância, às madeiras foram borradas, as nuvens não carregam mais a pureza da infância. O que sobrou foram apenas folhas, queimadas pelo sol.

Ana Luísa Nardin

Saturday, May 9, 2009

Rapariga intrínseca

Perdidas no lirismo, no gênero de composição poética, na inspiração, no frívolo, no sítio sombrio encontraram afeição recíproca.
Lis era teatral, artística, meiga, singela, única. Seu nome -Amarílis- era peculiar, exótico, diferente, significa pedra preciosa, flor. Rapariga magnífica, cheia de encantos, habilidades, pétalas. Seu estilo, sua maneira de dizer, pintar, esculpir, escrever, é ímpar. Seus cabelos são longos, duradouros, extensos. Suas unhas têm cores Havana, seus lenços vermelhos são cubanos, seu all star verde é intrínseco. Usa um anel próprio, textual, adequado, prata na mãe esquerda. Têm traços indecifráveis, não se pode ler ou interpretar, apenas admirar. Gosta de rock, da música de gênero popular, da década de 1950, de batidas, de ritmos fortes, das guitarras elétricas, das baterias.
O rock une um ritmo rápido, carrega consigo traços de músicas negras. Apesar de no decorrer de sua história o rock and roll ter ficado mais marcado por astros brancos, deve-se aos negros, escravos, a criação da estrutura rítmica e melódica que seria a base do rock. Os cantos entoados pelos negros durante o trabalho, no início do século XX dariam origem ao Blues (do inglês azul, usado para designar pessoa de pele escura, bem como tristeza ou melancolia).
Entendida de música a rapariga Havana sabia de cor versinhos, músicas e poesias. Sua banda preferida dos últimos tempos é Móveis Coloniais de Acaju.
Amarílis de fato é uma flor diriam que é melódica, singular, carrega consigo traços fortes, marcantes, segue num mundo paralelo, único. Seus caminhos são cheios de dores, pesares, amores, espinhos, flertes. Sua timidez, acanhamento,o desembaraço da sua voz baixa, suas frases condizem com o seu charme. As realidades sublimes, reais, intrínsecas, borram as frases de Lis e a torna mais bela. Seu lirismo está em prudência, de acordo com sua existência, escrita mundana.

Ana Luísa Nardin

Monday, April 20, 2009

A pequena Afegã

Olga era ruiva, seus cabelos espigados em cachos, sua pele com um tom sereno, seus olhos eram ímpares, únicos. Uma personagem peculiar, intrínseca, real, mas em longos momentos têm feixes irreais. Vivia de livros, romances, se perdia nas palavras, na arte de versificação. Sofrida, filha de afegãos. Descriminada pelo regime Talibã, sua mãe assim como todas as mulheres afegãs usava um vestido preto, esquivo, que cobria o corpo desde a cabeça até os pés, com apenas uma única abertura na zona dos olhos, este vestuário escárnio se chama burca.
A menina dos cabelos espigados tinha traços, linha, feitio afegão, era vítima de um regime que queimava livros, artigos, história. Porém seu pai ensinou a ler, sua mãe deu livros clandestinos, a pirataria de escritos é camuflada, interessante, engraçada. São poucos os que sobrevivem de obras literárias em época tão conturbada.
A pequena dos olhos ímpares era diferente das outras, exceção. A maioria das mulheres era obrigada a se casar, escolas femininas eram proibidas, as garotas se casam em geral aos 12 anos. O casamento, a união, o vínculo entre um homem e uma mulher envolve um ritual financeiro, geralmente a noiva conhece o noivo no dia do casamento, o afeto anterior, feminino, masculino é muitas vezes inexistente, irreal. Olga não se casou, pelo contrário se apaixonou secretamente por um jornalista, trama proibida, dissimulada. Durou pouco o romance, diria que foi um flerte escasso. Neste mundo pode-se amar apenas secretamente, mentalmente, subjetivamente, discretamente. Não deixe os Deuses, nem a sociedade Talibã saber que apóia jornalistas europeus, brasileiros, estes são considerados marginais da literatura.
A personagem dos cabelos ruivos sobreviveu ao mundo islâmico, viu a queda do temível regime Talibã. Em tempos difíceis os livros foram refúgios, lia secretamente, de tudo: comunismo, anarquismo, poemas, romances, versinhos, sabia até algumas letras de músicas contemporâneas. Seu pai era um grande pirata de livros, outrora, foi preso, torturado, subjugado, condenado.
Entretanto, as mulheres estavam demasiadamente marcadas pelo terror, receio, susto, muitas ainda têm medo de tirar a escarna burca. Poucas, raras têm traços tão belos, doces, leves como da pequena Olga, a maioria perdeu a esperança, a descrença está descrita em seus olhos, o medo estala em suas vidas, mal sabem das virtudes dos livros. E assim torna-se difícil sobreviver, compreender um mundo tão contraditório, intrínseco, desumano. A escrita é apenas uma denúncia dos segredos mundanos.

Ana Luísa Nardin

Friday, April 10, 2009

Sensibilidade de uma lírica

A causa xadrez, o lenço violeta, à sapatilha roxa, as unhas vermelhas. Os cabelos são curtos e têm cor de amora. A delicadeza está nos anéis ganho pela bisavó, nas trancinhas no cabelo, na doçura, no charme do batom vermelho.
A suavidade da escrita está combinando com elegância dos avós, com a mulher formosa, embriagada, cheia de entusiasmo.
O choro é delicado, brando, pouco custoso, real. A distancia entre Minas Gerais e São Paulo é demasiadamente doido. Lembre-se do bisavô que já se foi de um modo sereno, limpo de nuvens, tranqüilo, puro. Não queremos odiar a morte, mas nos aborrecemos com a ausência. Sinta á lagrima arder, não tenha vergonha da sensibilidade de um eu-lírico perturbado com o mundo. Acreditem em tudo que os avós dizem, eles são sábios, e cheios de orgulho. Um dia eles cessam, extinguem e se vão.
Se perca na ligeireza dos olhos verdes, na música dos negros, no samba de raiz. Não sabemos mais o que real e o que é sublime. Sinta raiva, todos se vão um dia, vocifere de saudades, dance até os pés formigarem, abrace aquele camarada, beije aqueles que te causam calafrios, desejos, perturbações, sonhos e pesadelos.
Lembre-se do gaiato que flertava outrora, do travesso de expressão leve, doce, singela, que ambos gostam de Chico, sabem versinhos de Tom, talvez um dia encontrem-se no mundo real, paralelo e intimo. Não se esqueça dos olhos claros se misturando ao lirismo das pérolas negras. Sinta raiva dos namoricos, mas estes vão e vem.
Escreva ate os calos arderem em chamas, sangrarem, e em pouco segundos o alivio, a meiguice, ternura se desmancham nas folhas de pergaminhos amargo. A escrita trás a leviandade de volta, as dores são internas e intimas.
Não se preocupe se a causa xadrez não combina com o lenço violeta. Goze, divirta-se, esqueça as regras, os tabus, as chatices, por longos segundos permita-se viver. Tome um porre de ficar zonza, bêbeda, louca e cante Raul Seixas com os andarilhos de rua, grite, ouça o seu eco. Viva loucamente e intensamente. Esqueça os comentários mirabolantes, lembre-se apenas dos poemas, do lirismo marginal dos poetas.
Então continue escrevendo tudo, angustias, desejos, sonhos, mas principalmente sobre a delicadeza e fragilidade da vida. É difícil viver na transição de um próprio eu – lírico, é espinhoso entender os humanos, o quão interessantes e intrigantes somos.

Ana Luísa Nardin